terça-feira, dezembro 14, 2010

O mar

De repente me deu uma vontade do mar.
Do cheiro, das ondas, do vento, dos pés tocando a areia úmida.
Uma vontade de estar longe e em paz.
Da escuridão quando o mar e céu viram uma coisa só as três da madrugada.
Uma vontade do barulho.
E do silêncio que só o mar proporciona.
Deu uma vontade de tirar essa roupa
De não sentir mais a chuva
Dentro e fora.
O mar todo em mim. Nos meus cabelos
Na minha alma
Uma vontade do salgado nos olhos
Na boca
Do sol queimando a pele
Anunciando o novo
Lavando tudo.
Estar longe e para sempre
Estar em paz
Sentado, olhando a imensidão
Azul, negra ou verde.
O mar.
De não estar mais aqui.
De não ser mais esse.
Ser praiano
Ser dourado.
Ser leve.
Uma vontade de ficar sozinho dentro de uma noite estrelada.
O mar.
Uma vontade pulsante, vermelha, de me afogar.
Nas profundezas do teu mar sem fim.

terça-feira, novembro 30, 2010

Márcia

Sentada, descalço, pinto as unhas dos pés de vermelho.
Vermelho vivo, quente, como sangue que pulsa.
Olho ao redor, a minha pequena sala vazia
Grande merda.
Algodões brancos separam os meus dedos
Cheiro forte de acetona.
Penso em descolorir os pelos das pernas, bicarbonato, tão anos 80.
Lembro-me da infância perdida, do sonho perdido.
Da música que tocou.
Sábado à noite, sozinha, melancólica pinto as unhas do pé.
Não são nem dez horas da noite, to bêbada, uma garrafa de vodca pela metade.
Sentada no sofá rasgado, roxo, vestindo uma camisola, me preparo para dançar.
Quem se importa?
Ainda falta escolher a roupa, arrumar o cabelo, chamar o táxi.
Sair.
A noite longa me espera. Sinto-me suja, inadequada.
O que importa?
É a vida baby! No som qualquer coisa que me distraia
Olho pro telefone mudo.
Alguém vai ligar, sempre liga.
As histórias se repetem.
Sozinha. Ainda é sábado e a noite mal começou.
Não quero um amor, não quero problemas...
Se pinto as unhas, a face o cabelo, se quero outra coisa é por isso.
O amor não é pra mim.
Assim fudida, fracassada, unhas vermelhas, vejo a imagem na TV sem som.
Respiro fundo, tenho vontade de morrer.
Não nessa noite que nem começou, talvez amanhã antes do jantar.
Querendo mais vodca, desejando ser mais magra, mais loira, mais fatal.
Suspiro.
O telefone toca.
E apesar do vazio, da busca constante, do querer mais além, eu atendo.
Afinal hoje é sábado!
E assim tentando ser despretensiosa
Eu só quero.
Tudo que eu quero
É dançar.

sábado, novembro 20, 2010

Superman

Me conte coisas bonitas.
De uma outra vida.
Das terras que você conheceu.
Dos sonhos que você teve cada noite.
De cada noite escura, como você resolveu.
Me conte outra vida.
Me leve pra longe.
Me tire de mim.
Porque mais do mesmo me cansa.
Me irrita
E eu vejo que é a vida
Assim mesmo.
Me leve daqui
E me conte uma nova história.
Algo que eu ainda não saiba.
Me ensine a jogar boliche, me leve para ver o por do sol.
Ou a Lua.
Me diga. Logo. Depressa.
Entre um drink e outro
Que não, viver não é isso.

terça-feira, outubro 26, 2010

Tristeza Borrada

Vejo uma menina sentada usando uma saia de tule.
Encostada em uma parede roxa, dentro de um apartamento que parece ter sido invadido.
Um disco riscado e uma luz azul.
Uma garrafa de qualquer coisa que está pela metade
O veneno que escorre dos olhos da menina borra o lápis muito preto, desenhando em sua face branca a forma de um grito.
Suas mãos estão caídas sobre o colo, a meia vermelha esconde o branco das pernas cansadas de caminharem para lugar nenhum.
A menina chora sem doer
Dói sem saber que naquela saia de tule, naquela parede roxa, naqueles braços brancos, está sua história.
E toda a fúria do mundo
Aquela menina sentada, borrada.
Uma fotografia antiga, suspensa.
Tudo ali, naquele lugar está revirado.
Mas o que mais me perturba não é bagunça, nem a saia de tule, ou as bitucas queimando o tapete de veludo.
Não é aquela luz azul, nem essa maldita parede roxa.
O que me faz querer fugir, gritar, me lançar da janela direto para o abismo, é o desenho na face clara.
Aqueles olhos.
Eu conheço bem, aquela menina, no canto da casa com a maquiagem borrada ouvindo um disco riscado, é a Angústia.
Que ainda está lá.

Tempestade

Havia uma tristeza que eu não sabia ao certo de onde vinha.
Um medo latejando bem no centro do peito
Que ardia.
Havia um nó de marinheiro na garganta
Gasta, de tanto gritar.
As mãos trêmulas e pernas que não obedeciam.
Estáticas.
Presas ao solo que se desfazia.
Havia granizo, vento, vidros, lascas, pulsos, corações, fragmentos
Explodiam.
Numa fração de segundo me dei conta, tentando me apoiar no vazio.
Era o mundo. O meu.
Que ruía!

sábado, outubro 23, 2010

Por dentro do sábado de outubro

“Por que você está aqui?” me perguntou o Dr.
Eu ainda pensava como o clima podia estar tão louco, estávamos em horário de verão, primavera, quase inicio de novembro e garoava e fazia frio.
Eu não entendia como aquilo não atingia as pessoas como me atingia.
“Eu fui atrás das personagens que eu lia” respondi sem muita vontade.
Podia ver pela janela uma árvore grande, amarela, balançando, e tive vontade de saber que espécie era aquela.
“Como assim”? Ele perguntou de saco cheio e com um bafo quente colgate.
“Eu queria saber como eles sentiam aquilo que eu também sentia, sem ao menos saber o que era sentir.”
Ele respirou fundo, bateu a ponta da bic na mesa. Olhei mais uma vez para árvore lá fora.
Meus olhos encontraram o dele, pude ver em suas pupilas minha própria imagem refletida.
E ardia.
Sorri, meio sem saber o que fazer, entendendo.
Era o capítulo final.
Assim.

quarta-feira, outubro 06, 2010

A gota

Havia o sol.
E sua luz
Foi uma gota, como pude notar mais tarde.
Que desceu suave pela minha testa, levando consigo um tanto de minha essência.
Desceu lenta, passando pelo canal da lágrima fazendo meus olhos arderem.
Tentei segura-la com a ponta da língua
Inútil esforço
Desceu um pouco mais feroz sobre meu peito.
E ali nasceu uma poça.
Uma poça de água cristalina.
Que logo foi empurrada para baixo molhando braços, mãos, dedos, meu sexo, pernas e pés.
E então pude ver um filete fino de água que descia pela sarjeta e ia aumentando a cada esquina.
E logo se transformou em córrego.
Um rio.
O mar.
Que inundou a cidade, cobriu os prédios mais altos e já não se distinguia o que era céu ou água.
E me dei conta de súbito, que eu era a própria gota.
Gota Viva
Visceral, intensa.
Eu era a gota, mais uma.
No oceano.

segunda-feira, setembro 27, 2010

Coadjuvantes

A gente passa tempo demais esperando.
O dia seguinte
A próxima noite
Passa muito tempo tentando achar o caminho
Da terra prometida
Para onde vão os sonhos.
A gente espera
O café quentinho, o ônibus
O metro lotado que vai nos levar para algum lugar
Que não seja aqui
Que não esse
A gente espera dormindo
A hora de acordar
Tempo demais perdido
Que escorre rápido
Que desce pelo ralo enquanto lavamos o cabelo embaralhando os sonhos.
A gente espera
O telefone tocar
O sms chegar
O convite da festa
Que alguém nos tire para dançar.
Nós, os coadjuvantes
Observamos a mediocridade da vida
E esperamos que um dia.
Um dia meu Deus, ela há de melhorar

domingo, junho 27, 2010

O Domingo no fim.

Saio pela rua na hora exata do amor.
Naquela hora que o dia ainda não acabou, mas, que já vai indo, um pouco antes do espetáculo do sol.
Nessa hora, exatamente, nas tardes de domingo.
Eu saio
E assim que coloco meus pés nas ruas sou envolvido por cores e sons que chegam de todos os lados.
E toda aquela gente, aquele tráfego, minha mente se desprende.
Perdida em meio a tanta mistura.
Então derreto
E vou virando tudo
Escorrendo por cada testa, cada mão, cada sarjeta e bueiro, debaixo dos pés.
Vou sugando
E tudo em mim
E eu volto pra casa. Tiro o óculos escuro. E decido.
Que talvez a outra metade me faça lembrar de tudo
Outra vez

segunda-feira, junho 21, 2010

Conte-me

Tudo agora significa nada.
O propósito onde está?
Este teu jeito de sentar no sofá
De sorrir sozinho ouvindo uma música
O jeito que você escuta o teu som
Como joga tua mochila depois de um dia de trabalho
As tuas mãos sob a água fria da pia
O que está pensando enquanto espera o copo encher de água?
O primeiro pensamento, quando a chave gira o trinco.
Da tua porta
Da tua casa
Da tua vida
Qual é o propósito?
O lugar onde deixa teus pensamentos
O que você desprende primeiro?
A gravata?
Tua garganta?
O que há no teu banho?
O que é que a água leva?
Quando tuas mãos tocam os seus cabelos molhados
O que há pra tirar?
O teu jeito exato de parar diante o espelho
O tempo que leva?
Para deixar que tudo se desfaça
O teu jeito de sentar, assim despretensioso
Para que?
Qual o propósito?
Diga-me antes que seja tarde
Antes que a comida chegue, que a novela comece, que o sono venha
Eu preciso saber se.

quinta-feira, maio 06, 2010

Seco.

Eu estava relendo meu blog hoje.
Uma espécie de sentimento estranho desceu pela minha garganta, vagou pelo meu corpo e fez meus olhos transbordarem.
Lama vermelha e densa sobre meus pés
escorrendo pelos meus cabelos
E só eu via, dentro desta redação tão burocrática
O vermelho nítido que me cegava
E não reconheci muitos textos
Foi como se eu não tivesse escritos todos eles
Fiquei surpreso, assustado
Me senti pequeno e angustiado
Como pode?
Era como colocar a mão em vísceras e remexe-las mais fundo.
E depois veio uma paz profunda
Um silêncio melancólico
E a vontade de escrever mais uma vez
Nem que fosse apenas uma frase.
Uma palavra
E cheio do vermelho
Com as mãos em brasa
Eu não consegui.

segunda-feira, março 15, 2010

Rebelde sem causa

O que queres dizer, diga logo.
Seja breve.
Fale pausadamente, mas fale tudo.
Se tiver que chorar, chore agora.
Não tenha pressas, se tiver que brigar, lute até o fim.
A gente perde tempo demais pensando no que vai dizer
Perde tempo demais engolindo um choro dolorido
A gente perde muita batalha sem mesmo brigar.
Um dia alguém nos disse o que era preciso fazer
Alguém nos ensinou que “a vida é assim mesmo”.
Deram-nos segurança, disseram que éramos adequados e adaptados.
Alguém um dia nos ditou o que era belo
E aceitável.
Compraram-nos com um sorriso, um aceno, um olhar.
Disseram-nos o que era o certo
E então paramos de escolher.
Simples assim. Não escolhemos mais nada, das decisões mais simplórias as mais difíceis.
Sempre tem alguém para escolher por nós.
Isso é triste.
Enfadonho
Mais do mesmo.
Hoje eu me rebelo tardiamente
E decido que não quero mais caminhos pré traçados
Quero vertigem
Quero aventura
Quero escolhas
Sair sem precisar estar com o cabelo engomado, de barba feita.
Não quero a roupa da moda, hoje não.
O sapato e o telefone que todo mundo tem
Hoje eu não quero ir á academia e nem me preocupar se estou fora do circo que a estética se tornou.
Eu quero me ocupar com outras coisas.
Quero sentir a liberdade de escolher a roupa, o sapato, o jeito do meu cabelo.
Quero ligar para os amigos e falar qualquer coisa sem me importar se estarei sendo idiota ou inteligente.
Quero escolher.
O jeito que vou levantar da minha cama e o lado em que irei me deitar.
Quero a leveza e poder curtir minha vida. Minha vida escolhida.
Pois nesse momento, hoje, ela é exatamente como eu sonhei!

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

A eterna Volta

É um exorcismo necessário.
Acontece ao menos duas vezes por ano.
Eu volto.
Eu paro.
Eu arrumo uma mala bem bonita e vou.
Os dias que antecedem a viagem são dias enfadonhos, de ansiedade desnecessária, penso muito em não ir.
Em não voltar nunca mais. Mas eu volto.
Eu sempre volto.
E quando chego, depois de seis horas, sinto vontade de chorar, alivio, dor e arrependimento de estar lá, tudo isso misturado com a vontade enorme de ver minha mãe, tomar seu café e comer o pão caseiro feito só para mim, ainda quentinho em cima da mesa da cozinha.
Tudo continua igual nesta terra, os prédios só estão mais velhos, maltratados e mais sujos, as ruas mais esburacadas, mais gastas e mais quentes com o calor que nunca diminuiu.
Tudo parece ter parado no tempo. E o tempo corre arrastado.
A cidade que antes parecia tão grande hoje mal cabe nas minhas lembranças.
E são muitas as lembranças deste lugar. Em cada rua que passo, cada predio ou casa que olho, cada loja que entro... em todos os lugares, há uma parte de mim. Um pedaço da minha história.
E reencontrar isso, esses pedaços... não sei explicar, é tão dolorido.
Olhar para quem eu fui, ficar cara a cara com este cara que ainda vive lá, quietinho, me causa espanto.
É terrivel encontra-lo. E perceber o quanto somos diferentes e quanto de mim já não há mais nele.
Esse meu eu preso no passado é a minha maior verdade, meu mais pesado segredo.
E apesar da dor que é reencontra-lo sei que necessito dele.
Então eu volto.
Para sugar um pouco mais, para pegar um pouco mais desta fonte pura: a essência que me faz viver.
Ele é o melhor em mim.
E depois de alguns dias nessa viagem maluca dentro de mim, nesta cidade maldita, eu volto pra casa. Cheio dele.
Triste e feliz.
Sempre com a impressão que deveria ter sido menos cruel, que deveria ter aproveitado mais o sol e a vida que se vive lá.
Tendo a certeza que o que trouxe dele vai durar pouco, dois dias apenas até ser sugado pela mentira concreta que esta vida se tornou.
Então eu sigo.