quinta-feira, agosto 30, 2007

Poço

Primeiro você cai num poço. Mas não é ruim cair num poço assim de repente? No começo é. Mas você logo começa a curtir as pedras do poço. O limo do poço. A umidade do poço. A água do poço. A terra do poço. O cheiro do poço. O poço do poço. Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos poços sem fim? A gente não sente medo? A gente sente um pouco de medo mas não dói. A gente não morre? A gente morre um pouco em cada poço. E não dói? Morrer não dói. Morrer é entrar noutra. E depois: no fundo do poço do poço do poço do poço você vai descobri quê.

Caio F. O Ovo Apunhalado.
...

Porque eu Entendo de poços!

bom dia

terça-feira, agosto 28, 2007

Augusta, 387.

To aqui sentada. Cansada.
Sozinha, abandonada.
Olho o esmalte vivo das unhas curtas. Vermelho sangue.
Vermelho noite, vermelho claro.
Bebo o último gole de vodca barata, pouco gelo, desce queimando, aliviando o amargo que ainda resta.
Na boca do estômago, no canto da boca
Do beijo final.
Assim á meia luz. Meias pretas, salto alto.
Arrumo o coque no alto da cabeça. Ensaio um sorriso. Anos depois...
Parada. Contemplo no espelho os meus seios cansados. Esses olhos que desconheço.
O tempo que chega sem pedir licença. Já nem lembro mais quem sou. De onde vim para onde vou.
A noite ainda é uma criança e é preciso rebolar um pouco mais, beber um pouco mais, forçar mais este sorriso... Isso assim...
Amarga, triste, drogada... quem se importa?
Aqui parada olhando o esmalte vermelho.
Vermelho sangue.
Ouço carros apressados na avenida lá fora, sinais fechados. Cruzamentos fatais.
Olhando assim as unhas, querendo mais vodca barata, minto um sorriso.
É preciso parar de desejar a morte. Desejar a vida. Não dá.
A noite ainda é uma criança e o show tem que continuar...

Diálogo.

-Alô?- Ele atende do outro lado, são três e quinze da manhã, voz sonolenta.
– Oi, sou eu.- Acendo um cigarro, janela aberta um frio cortante. Me levanto e caminho até a sacada. Vinte andares abaixo, a cidade que não para nunca.
- Oi, que foi?
- Acabei de tomar uma garrafa de vinho
- O que?
- Na tua hora final. Que música estará tocando na curva fatal? Onde você vai estar? Olhando para um teto branco em um quarto cheirando a iodo? Ou numa festa? Qual será teu último desejo? Tomei uma garrafa de vinho. Isso me fez pensar...
- Isso o quê? Olha são três e quinze da madrugada eu estou com sono...
- Isso... O vinho, a cidade lá embaixo. Eu estava pensando onde você vai estar na tua hora final...
– O Que você está falando? Eu estou cansado, preciso dormir, vá dormir também.
- Na hora da morte será que saberemos? O que diremos? Quanto tempo teremos? Eu sei hoje é sábado eu estou meio bêbado, melancólico... Desde que você se foi eu...
- Escuta... Eu preciso dormir, não quero falar disso agora! Eu não estou sozinho... Vá dormir... É tarde!
- Eu só queria dizer que. Eu...
- Eu vou me deitar! Boa noite.
Desliga o telefone. O frio parece aumentar.Tanta gente triste, meu Deus!
Porque é sábado eu estou só.
Você me deixou e eu estou bêbado.
Porque sinto–me vazio e não sei o que fazer sem você, minhas mãos não encontra um lugar, meu corpo não se aquece.
Espelhos partidos.
Sinto o piso frio debaixo dos meus pés descalços.
Vontade súbita de ligar de novo, de pedir para você voltar, me escuta...
Vamos tomar um café agora.
Uma taça de vinho... Venha me cobrir, escuta...
Eu ainda não disse tanta coisa...Nós ainda não caminhamos pela paulista, não tomamos chuva junto, escuta!
Três e pouco da manhã...
Alguns acreditam ser a hora do demônio.
A hora da morte.
A minha hora final.

segunda-feira, agosto 27, 2007

Um sonho que tive.

Você já sentiu assim? É como se você estivesse suspenso, como se você não tivesse sido convidado.
Para a festa
Com uma velocidade incrível eu cai no abismo
Escuro, sujo e de pouca ventilação. Daqui de dentro eu não consigo respirar, meu peito dói e tenho uma vontade imensa de gritar.
Tenho vontade de rasgar o peito e com a mão direita puxar daqui de dentro essa serpente negra. Tem me sugado.
Não consigo subir. Não tenho forças para caminhar aqui dentro.
É um espaço mínimo, escuro, e não consigo ver saída.
Ouço daqui debaixo vozes lá em cima, passos e risadas. Ninguém me vê.
As pessoas, elas atravessam meu abismo.
Imponentes.
Daqui eu vejo tudo distorcido e só espero minha hora final.
Tenho vontade de voltar a ser feto.
Eu tenho medo de morrer, de perder o controle, de não amar nunca, de perder o emprego, da bomba explodir, do mundo ruir.
Quando estou aqui dentro não tenho forças e nem vontade.
Para dizer ou escrever qualquer coisa.
Fecho os olhos e tento esquecer...
...
"Vou –me embora para Pasárgada
Lá sou amigo do rei.
Lá tenho a mulher que eu quero na cama que escolherei"
...

quinta-feira, agosto 23, 2007

Crise

Dentro de mim há um outro.
Que tem medo da morte, que vive á beira do precipício e se culpa por tudo vivendo muito ansioso.
Em momentos de crises maiores a boca dele seca, tem palpitações, taquicardia, sente dificuldades em respirar.
Esse, o outro, tem medo de morrer dormindo e fica adiando a hora do sono.
Ele se sente fora do mundo e costuma dizer que na vida ele é "café com leite" e nem ao menos consegue se olhar no espelho.
Por alguns segundos pensamentos suicidas tomam conta de sua mente, sente vontade de gritar, ânsia de vômito... crises de choro... uma angústia que nem cabe.
Esse cara é meu maior inimigo! Ele quer me levar para o abismo e as vezes quase consegue.
Mas tem o cara que eu gosto que há tempos eu não o vejo. O cara que aceita e entende a vida que ama até suas dores.
O cara que acredita no amanhã e tem fé.
Fé na vida, nas pessoas, no mundo ao redor.
O cara que se emociona com um texto qualquer, que passa horas perdido em uma leitura tocante. Que assiste um filme antigo e tem vontade de ser cineasta.
Que anda na avenida paulista e em cada esquina imagina uma história. Que chora de felicidade e saudade.
Que ama estar vivo e não teme a morte.
Os dois vivem em guerra. Uma luta constante.
Mas o que nenhum deles sabe é que estou grávido de um terceiro...
E este que chega tem um pouco de cada um. E algo me diz que vou ama-lo mais que todos.
Já até escolhi o nome. Este que vem rasgando entranhas chama-se:
Equilíbrio!

terça-feira, agosto 21, 2007

Oi.

Meu final de semana foi bem tranqüilo, obrigado por se interessar.
Não, isso também é mentira.
Minha mãe veio me visitar depois de um ano. Cozinhei sexta e sábado. Conversei e deitei em seu colo vendo televisão. Ela me beijou antes de dormir e me fez café quase o dia todo.
Aluguei filmes e vimos juntos como fazíamos antigamente. Fomos ao shopping e demos algumas risadas. Minha mãe tem medo de escadas rolantes e isso sempre é motivo de riso...
Ela é linda e serena. Toda fofa da cabeça aos pés. E tem tanto amor ali que nem cabe.
Foi embora domingo logo após o almoço. Me deu um abraço demorado e um beijo na testa.
...
A noite eu me joguei. Enchi a cara e fiquei na rua até as 4 da manhã. Coisas aconteceram que eu nem lembro. Madrugada hardcore!.
Acordei ontem com uma puta dor de cabeça e ressaca moral.
Percebi que gosto mais do menino tranqüilo que cozinhou e deitou no colo da mãe, do que do menino hardcore e drogadinho de domingo a noite.
Não, isso também é mentira.

sexta-feira, agosto 17, 2007

Carta

Sampa, quarta-feira, 16 agosto.
Verinha,
Faz tempo que não nos falamos, nem mesmo por telefone ou e mail, nem mesmo um sinalzinho de fumaça.
Tenho pensado em você. Tenho pensado em nós. Eu me lembro quando te disse que eu viria embora: Eu disse que largaria tudo e que deixaria tudo para trás.
Disse que eu estava muito cansado de doer, muito cansado das pessoas, Verinha eu tenho isso tão forte sabe? Tenho preguiça das pessoas.
Lembro que naquela última noite no bar, era uma noite tão clara tão quente, você estava com um vestido lindo florido. Você me disse para tomar cuidado para ir com calma para ir sem pressa, que você tava comigo que me amava. Lembro-me bem da lua no teu rosto, do teu cabelo caído nos ombros, de tua risada. Você jogava tua cabeça para trás quando ria.
Nós dizíamos que éramos almas gêmeas. Sinto tua falta, de andar de bicicleta, de ver filme e comer pipoca na casa da avó. Sinto falta do nosso amor... era tão puro! Essa cidade me destrói, me consome...
Tô doente Verinha assim, daquele jeito na alma, tanto prédio, tanta gente, tanta pobreza, tanta gente fútil demais. Ta faltando amor.
As pessoas nem se olham mais. Um egoísmo sabe? Uma pressa! Uma necessidade de não sei o que! To querendo ir embora, talvez Berlim, talvez uma cidadezinha qualquer distante, uma casa pequena com um jardim, cuidar de mim.
Quero ir embora. Eu sei, sei que você tem orgulho de mim, sei que você têm lido coisas sobre mim. Mas eu não to feliz Verinha. Aquele garoto do interior que deu certo, quer mais além. Quero outra coisa
Sempre.
Um beijo, manda beijo para Leandro diz que to com saudades.

Seu.

quinta-feira, agosto 16, 2007

Desabafo!

É isso. Hoje estou com raiva.
Bruta, seca, um nó na garganta.
Cansei de ser o amigo fofo
O que escreve coisas bonitinhas.
Cansei de ouvir "vc é interessante"!
Cansei. De ser incentivador.
De deixar partir sem doer. De achar que vou sobreviver.
Cansei de me doar.
De caras que me acham " bacana" mas preferem minha amizade.
De palavras dóceis, de "foras" elegantes.
De gente tentando me fazer sentir bem! Querendo me fazer acreditar que eu sou realmente bonito (em todos os sentidos).
Se eu fosse, não seria invisível!
Cansei de ser amigos de ex. ficantes, paqueras, pretês e o diabo a 4.
Quero mais é transar, beijar na boca, brigar, verdade.
Quero sexo. Quero compartilhar.
Eu não sei jogar este jogo maldito que inventaram...

Cansei de brincar!

quarta-feira, agosto 15, 2007

Zero Grau de Libra

... Deus, põe teu olho amoroso sobre todos que já tiveram um amor, e de alguma forma insana esperam a volta dele: que os telefones toquem, que as cartas finalmente cheguem.
Derrama teu olho amável sobre as criancinhas demônias criadas em edifícios, brincando aos berros em playgrounds de cimento. Ilumina o cotidiano dos funcionários públicos ou daqueles que, como funcionários públicos, cruzam-se em corredores sem ao menos se verem – nesses lugares onde um outro ser humano vai-se tornando aos poucos tão humano quanto uma mesa.
Passeia teu olhar fatigado pela cidade suja, Deus, e pousa devagar tua mão na cabeça daquele que, na noite, liga para o CVV. Olha bem o rapaz que, absolutamente só, dez vezes repete Moon Over Bourbon Street, na voz de Sting, e chora. Coloca um spot bem brilhante no caminho das garotas performáticas que para pagar o aluguel dão duro como garçonetes pelos bares.
Olha também pela multidão sob a marquise do Mappin, enquanto cai a chuva de granizo, pelo motorista de taxi que confessa não Ter mais esperança alguma. Cuida do pintor que queria pintar, mas gasta seu talento pelas redações, pelas agências publicitárias, e joga tua luz no caminho dos escritores que precisam vender barato seu texto- olha por todos aqueles que queria ser outra coisa qualquer a que não a que são, e viver outra vida se não a que vivem.
Não esquece do rapaz viajando de ônibus com seus teclados para fazer show na Capital, deita teu perdão sobre os grupos de terapia e suas elaborações da vida, sobre as moças desempregadas em seus pequenos apartamentos na Bela Vista, sobre os homossexuais tontos de amor não dado, sobre as prostitutas seminuas, sobre os travestis da República do Líbano, sobre os porteiros de prédios comendo sua comida fria nas ruas dos Jardins. Sobre o descaramento, a sede e a humildade, sobre todos que de alguma forma não deram certo (porque, nesse esquema, é sujo dar certo), sobre todos que continuam tentando por razão nenhuma – sobre esse que sobrevivem a cada dia ao naufrágio de uma por uma das ilusões.
Sobre as antas poderosas, ávidas de matar o sonho alheio - Não. Derrama sobre elas teu olhar mais impiedoso, Deus, e afia tua espada. Que no zero grau de Libra, a balança pese exata na medida do aço frio da espada da justiça. Mas para nós, que nos esforçamos tanto e sangramos todo dia sem desistir, envia teu Sol mais luminoso, esse zero grau de Libra. Sorri, abençoa nossa amorosa miséria atarantada.

Caio Fernando Abreu, 24/09/86. Caio me dói de um jeito bom...

terça-feira, agosto 14, 2007

Tempo

É tempo de arrumar a casa. De cuidar do templo.
Tempo de arar a terra. De cultivar sonhos.
De jogar o que não serve mais fora. De guardar coisas bonitas e úteis.
Tempo de cuidar da mente. De beijar a testa de uma dose de afeto.
É tempo de abraçar quem se ama de segurar a mão frágil.
Tempo de parar, sentar no chão e andar descalço.
Acreditar no sonho alheio, sonhar compartilhado.
De mandar cartas esquecidas telefonemas atrasados.
Ouvir. Tempo de fazer silêncio.
Tempo de parar.
Não correr tanto. Dormir tranquilo. Cuidar do jardim.É tempo.
De cultivar gentilezas e colher gratidão.

segunda-feira, agosto 13, 2007

Caixinhas e Amores

Não importa o tipo de relacionamento quando acaba sempre dói.
Pode ser um namoro de longos anos, um namorico, uma amizade que parecia eterna, por muitos motivos os relacionamentos acabam.
E a gente tem que lidar com a perda a distância o silêncio. Por isso criei as caixinhas.
Tive que aprender que algumas histórias acabam mesmo as que eu não gostaria.
Então para cada história eu criei uma caixinha dentro do meu coração. E quando chega a hora a gente sempre sabe, sempre sabe quando um relacionamento já está desgastado e por mais dolorido que pareça eu aceito e entendo o fim. E para não sofrer muito, não chorar tanto, não sentir tanta falta eu os guardo.
Guardo tudo ali dentro, as risadas, os tapas, os beijos, as discussões, os abraços e telefonemas.
E deixo a caixinha lá fechadinha cuido para que ela sempre esteja intacta e bonita, sempre novinha.
Depois toda vez que sinto saudades eu abro a caixinha e relembro e me sinto abençoado por ter vivido uma história tão boa, intensa e cheia de verdade.
Não importa o tempo que durou importa como eu a vivi.
Estou em fase de abrir algumas caixinhas... Mas nunca deixo de olhar pra frente...

sexta-feira, agosto 10, 2007

lembranças

Depois de uma semana voltei á terapia, estava com saudades do cheiro, das plantas, das poltronas amarelas da sala de espera. De ver o rosto sempre preocupado da recepcionista, de ficar imaginando como seria a vida dela fora dali.
Já no divã, depois de minutos de conversa falamos sobre um filme que me toca: "Brilho Eterno De Uma Mente Sem Lembranças". O terapeuta com sua calma inquietante lança um desafio "Se você pudesse apagar todas as suas lembranças, qual história Você construiria, Você contaria?".
Com a angústia habitual saio do consultório e tento imaginar a nova História da minha vida.
Se tudo, até este exato momento fosse apagado quem eu seria? A partir de agora?
Eu seria um escritor, Um exemplo de superação, estaria na minha casa tomando um café e vomitando palavras em folhas em branco. Seria um ator angustiado, vivendo mais uma vez a construção de sua personagem.
Estaria casado com o mais bacana dos moços e ele estaria me esperando na Vila Madalena, depois da consulta, para almoçarmos.
Eu seria um cara pleno, com histórias para contar. Eu construiria uma história totalmente diferente de hoje, até minha roupa seria outra, calça xadrez vermelha, tênis allstar preto cano baixo, camiseta verde. Estaria no metrô lendo um livro, talvez Marques de Sade, talvez Pequeno Príncipe.
Meus amigos seriam outros, minha casa outra, a cidade outra, o país.
Se eu apagasse a minha memória poderia viver tantas outras histórias.
Melhores que essa talvez.
E, então.
Então me dei conta que a história mais bonita eu já estava contando, que é essa agora que vivo hoje.
E que seria triste demais apagar as lembranças, mesmo as sofridas.
Penso em ligar para o terapeuta e dizer : "não sei que história construiria, pois é essa exatamente a história que eu quero viver"
Com lacunas e abismos, páginas ainda em branco mas, sem dúvida a mais envolvente que eu poderia viver!

Um textinho antigo mas que eu gosto muito.

Volta

Dei um tempo do blog.
De repente uma preguiça de escrever ou dizer qualquer coisa.
Mas não sei fazer nada além de manchar papéis brancos com minhas dores e alegrias.
....
Aos poucos e sempre.