quinta-feira, janeiro 31, 2008

Depois do jantar, Um funeral (antigo que gosto muito

No dia da minha morte prepare margaridas, grandes, amarelas e brancas.
Não deixe que me pintem muito.
Não quero parecer um palhaço, nem corado ou saudável demais, afinal quem se importa?
Peça para me vestirem claro.
Uma bata branca bonita, uma calça larga e com as barras desfiadas, cubra meu corpo de margaridas, e não desça a tampa, não ainda.
Deixe uma música suave, pode ser Bjork. Deixe tocar uma música até o fim. Odeio o silêncio de funerais, odeio o barulho das moscas e a tosse da tia velha.
Se alguém sentir vontade de dançar que dance. Sirva taças de vinho tinto seco.
Um funeral regado à vinho.
No meu livro da morte, não escreva teu nome.
Me escreva poemas.
Se alguém sentir vontade de chorar, que chore manso.
Reunam- se todos vocês amigos e contem histórias engraçadas sobre mim.
O meu testamento será pouco, alguns livros, uns poemas, umas canções.
Deixo para poucos também
Os que me conhecem exato.Na minha mais estranha doçura.
No dia do fim estará chovendo, não deixe que ninguém use guarda chuva. Acho lindo em funerais todos estarem vestindo capas de chuva.
Não deixe que eu vire rei, santo, ou jovem demais para morrer.
Paras os que não me conhecerem me descreva como fui.
Sem aumentar ou exaltar minha dignidade.
Diga que não fui um bom menino.
Mas passei longe de ser do mal.
Diga que vivia assim oscilando ali bem na beira do abismo.
Que as vezes dava medo de ver, mas que era bonito... Ah! isso era.
Receberá telefonemas de amigos distantes. Diga que está tudo bem.
No dia do meu funeral, haverá uma calmaria, um trânsito leve, uma garoa fina.
As pessoas sentirão uma paz, um silêncio gostoso.
E assim meio triste e até melancólico,você dirá baixinho quase sussurrado no jardim bonito que terá preparado:"Um dia assim, nem combina com a cidade caos."
Escreva meu epitáfio, uma frase solta quase esquecida.
Depois acenda um cigarro, dê uma tragada funda e fique um tempo mais comigo mesmo que a porta já tenha se fechado. E todos terem ido.
Fique comigo.
Tire seus sapatos sinta a chuva no teu peito e assim com os pés na terra molhada saia devagar, se der levante a cabeça e sorria.
E deixe que a chuva leve tudo ainda que restou

terça-feira, janeiro 29, 2008

A infância do Joãozinho.

O problema é ter uma vida de "Rock Star".
Não, o problema é ter uma vida de "Rock Star" e não ser um.
...
Os professores diziam, os amiguinhos diziam. Todos ao redor diziam: "Você tem talento".
Ele gostava de escrever, gostava de passar as noites preso no quarto, debruçado sobre seu fichário quase feminino. Escrevendo sobre tudo que achava que entendia.
Ele ainda menino, nem tão inocente e longe da amargura da vida, achava que tinha sofrido demais e escrevia.
"o poeta é um fingidor" repetia mil vezes pra si mesmo enquanto dissertava sobre dores que ele ainda nem sentia.
Achava mesmo que aprendera a fingir cedo demais, criar pra si uma outra vida quase como num conto infantil, um mundo paralelo cheio de personagens quase sempre bem mais interessantes que aqueles que fazia parte da vida fora do quarto.
E no dia seguinte, no colégio, as meninas eufóricas pelo texto novo escrito pela madrugada. "Lindo!" "Posso copiar?" "Quero mandar para o juninho"
E ele sonhava, desejava e acreditava naquilo tudo. Em tudo que o papel lhe dizia.
E Lia, lia tanto que já naquela época perdia noites de sono só para terminar o livro logo.
Seguia assim o menino lá do interior, promissor. Era sem dúvida, dizia a professora de portugês da sexta série, um jovem escritor...
Mas no meio do caminho uma curva, o vento que mudou de rumo, uma pedra que bateu na janela, um soluço tardio, um pé torcido.
Um grito entalado na garganta.
Ele virou bancario

quarta-feira, janeiro 23, 2008

Depois do Vinho

Tenho vontade de ter asas
Sair voando em silêncio pela janela de casa, olhando a cidade de cima.
Vontade de ser oceano e sair inundando tudo.
Não posso.
Então fecho os olhos no escuro e coloco um cd de Nara Leão. Me deito no chão
E encho minha cabeça de cores.
Imagino que sou leve e que caio como gota na testa das pessoas
Sou engolido devagar com a ponta da lingua.
Só para entrar bem fundo e brincar de ser Deus, duende ou fada.
Remexo em tudo, tiro tudo do lugar, peça por peça.
Para me reencontrar em cada mão, sombrancelhas, gestos imprecisos.
Roubar pra mim minha cada história.
Só para depois, dissimulado, cuspir tudo em um papel...

Fábula (só pq eu gosto muito deste)

Mora um monstro dentro da minha pia.
Ouço barulhos que vem de lá
Acredito que ele esteja chorando, de solidão ou angústia.
As vezes eu choro também e sei que ele pode me ouvir
Os outros moradores da casa desconhecem a existência dele.
O que o torna meu. Único e exclusivo monstro.
Sei que ele deve ser feio, até mesmo gosmento
Durante a madrugada ouço seus passos pela casa adormecida
Ele vem até meu quarto, quer me dizer coisas belas e sujas.
Fico bem quieto, fingindo dormir.
Tenho vontade que ele me toque
Embora o cheiro me fere as narinas.
Tenho medo de abrir os olhosE encara-lo.
Ele é triste e sozinho.
Belo por dentro
Aprisionado em tanta feiúra.
Eu o amo em segredo
Ele me ama em segredo.
Apesar de moramos juntos e desejarmos as mesmas coisas, de sonharmos os mesmos sonhos
De fazermos parte da mesma pia, não nos temos.
Preconceito meu.
Preconceito do monstro.

terça-feira, janeiro 08, 2008

Uma histórinha. Ou mais sobre as formas do amor

São dez horas da manhã. O sol escaldante queima a cidade caótica.
Tanto calor nem combina com a cor cinza desta cidade.
Enquanto saio do banheiro tentando achar uma roupa decente para vestir lembro-me de ter lido em algum lugar que este ano será o ano de marte.
Sem saber o que isso quer dizer tento acordar sem querer, viver sem vontade.
O quarto está parecendo um campo de batalha e há roupas e jornais antigos jogados pelo chão. Os pés dela ainda continuam na mesma posição. Ela ainda continua na mesma posição, de bruços, a única coisa diferente dos outros dia é este vermelho nítido nos lençóis...
A casa toda parece ter sobrevivido a um furacão. Bitucas de cigarro, latas de cerveja vazias, sobras de uma noite festiva que parece tão distante agora. Em que século mesmo?
O sol entra cortando a escuridão da pequena cozinha, louça de muitos dias na pia.
E eu sem vontade tentando achar uma roupa... um jeans qualquer, um all star velho...
Vontade de ligar e dizer que hoje não vou, nem hoje nem nunca mais.
A cidade acontece lá embaixo. Trânsito, gente feliz, gente correndo, telefones que tocam, amigos que se encontram para um café tardio.
E eu só penso em parar.
Encontro a roupa qualquer, não penteio os cabelos e saio. No elevador penso que era bom aguar as plantas da sala. Quem se importa?.
A rua cinza, fedida... tanta gente... tanta gente morta meu Deus! Me sinto em um filme de zumbis. O sol me dá preguiça. Ponto de ônibus. Gente feia, cansada, mal humorada, ônibus lotado. Desço já bem atrasado no ponto final.
Duas quadras de distância da redação finjo minha melhor cara. Respiro fundo e vou.
Entro com o melhor sorriso, digo bom dia a todos com um entusiasmo irritante. Pego um copo plástico de café preto, forte, sem açúcar.
Sento-me na frente do computador de última geração, presente do chefe. Alguém faz uma piadinha e a sala de "jovens e promissores talentos" ri.
E começo então a escrever a notícia do dia.
Mais um crime passional na noite fervilhante da cidade...
Uma história banal sobre o amor.

segunda-feira, janeiro 07, 2008

Fazendo a linha desapegado. Sem ser

Eu nunca fui de fazer listas de ano novo, nem planejamento, nem nada.
No máximo eu fico sonhando com coisas fantasiosas do tipo "este ano eu escrevo um livro" ou "este ano eu estarei em um trem em Berlim e encontrarei o tal rapaz".
Quando eu tinha vinte anos eu achava que aos trinta eu já teria casa própria, casado etc, etc, etc...
Agora aos 29 anos nem sei... nem sei para onde vou e como vou, onde estarei daqui a três meses, que cidade, que país, com quem, fazendo o que...
E prefiro assim. Cada ano que passa eu vou tendo a certeza que serei sempre assim, meio errante no mundo. E isso não me impede de escrever o tal livro. De ter uma casa para voltar as vezes e de um amante para me aporrinhar a paz e dilacerar o coração.
Mas quero assim errante.
Sem listas
Sem "segredo"

Mas isso também é mentira.

Quero manter em mim meu lado Dorothy e bater três vezes o calcanhar para que meu desejo se realize.
Quero me apegar na receita da dieta fácil e a tudo que me parecer milagroso. Quero continuar na mesma cidade e mantendo os mesmo amigos.
E isso, como você já deve saber, é mentira