terça-feira, outubro 26, 2010

Tristeza Borrada

Vejo uma menina sentada usando uma saia de tule.
Encostada em uma parede roxa, dentro de um apartamento que parece ter sido invadido.
Um disco riscado e uma luz azul.
Uma garrafa de qualquer coisa que está pela metade
O veneno que escorre dos olhos da menina borra o lápis muito preto, desenhando em sua face branca a forma de um grito.
Suas mãos estão caídas sobre o colo, a meia vermelha esconde o branco das pernas cansadas de caminharem para lugar nenhum.
A menina chora sem doer
Dói sem saber que naquela saia de tule, naquela parede roxa, naqueles braços brancos, está sua história.
E toda a fúria do mundo
Aquela menina sentada, borrada.
Uma fotografia antiga, suspensa.
Tudo ali, naquele lugar está revirado.
Mas o que mais me perturba não é bagunça, nem a saia de tule, ou as bitucas queimando o tapete de veludo.
Não é aquela luz azul, nem essa maldita parede roxa.
O que me faz querer fugir, gritar, me lançar da janela direto para o abismo, é o desenho na face clara.
Aqueles olhos.
Eu conheço bem, aquela menina, no canto da casa com a maquiagem borrada ouvindo um disco riscado, é a Angústia.
Que ainda está lá.

Tempestade

Havia uma tristeza que eu não sabia ao certo de onde vinha.
Um medo latejando bem no centro do peito
Que ardia.
Havia um nó de marinheiro na garganta
Gasta, de tanto gritar.
As mãos trêmulas e pernas que não obedeciam.
Estáticas.
Presas ao solo que se desfazia.
Havia granizo, vento, vidros, lascas, pulsos, corações, fragmentos
Explodiam.
Numa fração de segundo me dei conta, tentando me apoiar no vazio.
Era o mundo. O meu.
Que ruía!

sábado, outubro 23, 2010

Por dentro do sábado de outubro

“Por que você está aqui?” me perguntou o Dr.
Eu ainda pensava como o clima podia estar tão louco, estávamos em horário de verão, primavera, quase inicio de novembro e garoava e fazia frio.
Eu não entendia como aquilo não atingia as pessoas como me atingia.
“Eu fui atrás das personagens que eu lia” respondi sem muita vontade.
Podia ver pela janela uma árvore grande, amarela, balançando, e tive vontade de saber que espécie era aquela.
“Como assim”? Ele perguntou de saco cheio e com um bafo quente colgate.
“Eu queria saber como eles sentiam aquilo que eu também sentia, sem ao menos saber o que era sentir.”
Ele respirou fundo, bateu a ponta da bic na mesa. Olhei mais uma vez para árvore lá fora.
Meus olhos encontraram o dele, pude ver em suas pupilas minha própria imagem refletida.
E ardia.
Sorri, meio sem saber o que fazer, entendendo.
Era o capítulo final.
Assim.

quarta-feira, outubro 06, 2010

A gota

Havia o sol.
E sua luz
Foi uma gota, como pude notar mais tarde.
Que desceu suave pela minha testa, levando consigo um tanto de minha essência.
Desceu lenta, passando pelo canal da lágrima fazendo meus olhos arderem.
Tentei segura-la com a ponta da língua
Inútil esforço
Desceu um pouco mais feroz sobre meu peito.
E ali nasceu uma poça.
Uma poça de água cristalina.
Que logo foi empurrada para baixo molhando braços, mãos, dedos, meu sexo, pernas e pés.
E então pude ver um filete fino de água que descia pela sarjeta e ia aumentando a cada esquina.
E logo se transformou em córrego.
Um rio.
O mar.
Que inundou a cidade, cobriu os prédios mais altos e já não se distinguia o que era céu ou água.
E me dei conta de súbito, que eu era a própria gota.
Gota Viva
Visceral, intensa.
Eu era a gota, mais uma.
No oceano.